Poetas - João Dornas Filho


Há muito tempo que desejava escrever qualquer coisa a respeito destes rapazes que andam pintando o diabo na poesia moderna de Minas. Mas o receio, mais do que o receio a impossibilidade de me exprimir, tem-me feito protelar até este momento o dever de consciencia que tenho para com elles.
Porque commigo se dá um facto que seria banal si não me ferisse tão fre-quentemente: é a paralysia verbal que me assalta diante de tudo o que estimo. Nunca consegui escrever uma só linha sobre minha Mãe!
Agora, porém, vencendo esse temor que já justifiquei, vou-me esforçar por dizer qualquer coisa. Do coração apenas, porque elle é que é o responsável desse estado abestalhado que me persegue sempre.
Há tempos recebi “Meia-pataca”, um lindo livro de poemas assignados por Francisco I. Peixoto e Guilhermino César. A capa era uma delícia dadaísta desse exquisito poeta e calunguista que é Rosário Fusco.
Ao Peixoto, pessoalmente, não conheço. O Guilhermino, conheci-o por acidente. É o caso que estando em uma festinha íntima em casa de minhas relações, sahi à porta, certa hora, para fumar.
Bello Horizonte quanto ao sereno só pode ser comparada com Fortaleza, no Ceará Quer dizer: a porta da casa estava pretinha de gente.
Ao sahir – os callos têm mais esse traço de sympathia – pisei impiedosamente, sem querer, o pé de um cavalheiro magro, olhos vivos e protegidos de óculos, queixo ponteagudo, expressão de raposa. Houve então um pedido de desculpa, que foi o estupim da nossa camaradagem. O callo era do Guilhermino, seu fulano!
Ahi está como, por meio de um callo, fiquei conhecendo um poeta. É prosaico, mas não deixa de ser curioso.
Pois bem, “Meia-pataca” ficou-me todinha no coração e na lembrança, sem que eu conseguisse escrever sobre ella nem um tiquinho.
E como a gente poderia esquecer isto?:
Morena batuta
de seios de fructa
novinha que doe.
Morena batuta
segura essas fructas
segura que caem.

Meus olhos cobiçam
delicias assim
que a fome chegou.
Meus olhos cobiçam
E doidos nem vêm
que são temporãs.

Morena batuta
de seios de fructa,
novinha que dóe.
Esse Guilhermino tem outro tanto de versos para publicar. E todos são desse golpe. Dahi para melhor.
João Dornas Filho
Publicado em Bello Horizonte, quinta feira 7 de Março de 1929 - O Estado de Minas



Publicado no Chicos - Edição do Centenário de Guilhermino Cesar



Um comentário:

Phonteboa disse...

Descobrir a poesia de João Dornas Filho é para mim um desafio. Estou em busca. Alguém pode ajudar-me? Venho recolhendo seus versos e assim recuperar a trajetória poética deste Itaunense.
Obrigado por este espaço. Quem conhecer algum poema de João Dornas Filho, favor enviar para mim phonteboa@gmail.com.
Obrigado.
Geraldo Fonte Boa.