
Viver em uma cidade que conservava ainda traços culturais bem visíveis, estudar no ginásio da Granjaria era antes de tudo respirar um ar de manifestações artísticas de um passado relativamente próximo. Podia-se sentir por ali mesmo muito presentes esses sinais.
Só um Chico Peixoto poderia conceber um projeto assim: inventar a partir dos limites da província um modelo ideal de modernidade, colocar a cidade de Cataguases a par das correntes mais avançadas do pensamento europeu.
E parece que a idéia frutificou. Juntou-se a ele um Ascânio Lopes, um Henrique de Resende, um Martins Mendes, e finalmente a adesão definitiva, ele, Guilhermino César.
Mas, coisa inexplicável: no colégio mesmo onde tudo começou, onde ainda reverberavam os gritos daquele desejo de renovação estética onde se faziam presentes alguns elementos identificáveis deste processo revolucionário nunca o vimos por lá...
Henrique de Resende, sim, era o irmão de Dona Ofélia, uma respeitável senhora que sabia mais da língua de Victor Hugo do que dos próprios óculos; Martins Mendes, era o Toniquinho Mendes, já bem íntimo da patota ao ponto de nos fornecer a palha e o recheio de deliciosos cigarrinhos que ele mesmo enrolava com a excelência de sua perícia.
Chico Peixoto podia passar a qualquer momento pela avenida Humberto Mauro voando no seu carro em meteórica visita e até Marques Rebelo também identificável nas inúmeras doações ao incrível Museu de Arte Popular que ainda se encontra lá.
O próprio Fusco retornaria à terra e coincidentemente arranchando-se provisoriamente numa casinha que havia lá pros lados da “matinha”, não sei se o incomodava o sino que ainda havia e que era executado religiosamente pelo João Cordovil.
Guillermino César não; era o grande ausente.
Meu tio José Suppi recordava que foram eles velhos conhecidos desde a mais tenra infância e traquinagens. Tendo-o encontrado certa vez na rua este o interpelou animado e com a seguinte história:
- Zé, sonhei com você esta noite. No sonho eu havia comprado uma carrocinha de sorvete. Adivinha quem era o vendedor?
- Você
Ao que ele respondeu de pronto:
- Ah, então eu era seu empregado, né...?
Brincadeiras e lembranças à parte, a verdade é que ressentíamos um pouco da presença dele e o poeta da metade maior do Meia Pataca, ao contrário do rio, não passava muito por aqui, mas no nosso caso poder-se-ia dizer que brilhava pela ausência. Ausência que procurávamos suprir vasculhando na biblioteca da escola além dos seus próprios livros, dados biográficos. Uma das referências mais comuns era o nome da farmácia onde Seu Machado, um familiar seu fazia ponto, onde hoje se encontra um bar.
Nós também tínhamos lá nossas aprontações. O nosso grupo, versão mineira da boêmia litero-musical-jornalística-malandra-etílico-estudantil – o termo surrupiado de um conto de João Antonio – sem sede própria, geralmente improvisada no reservado do Bar Elite, onde uma garrafa pequena do “Canção” era capaz de realizar o milagre do vinho.
É assim que me lembro de Guilhermino César:
Salve seu centenário!
Só um Chico Peixoto poderia conceber um projeto assim: inventar a partir dos limites da província um modelo ideal de modernidade, colocar a cidade de Cataguases a par das correntes mais avançadas do pensamento europeu.
E parece que a idéia frutificou. Juntou-se a ele um Ascânio Lopes, um Henrique de Resende, um Martins Mendes, e finalmente a adesão definitiva, ele, Guilhermino César.
Mas, coisa inexplicável: no colégio mesmo onde tudo começou, onde ainda reverberavam os gritos daquele desejo de renovação estética onde se faziam presentes alguns elementos identificáveis deste processo revolucionário nunca o vimos por lá...
Henrique de Resende, sim, era o irmão de Dona Ofélia, uma respeitável senhora que sabia mais da língua de Victor Hugo do que dos próprios óculos; Martins Mendes, era o Toniquinho Mendes, já bem íntimo da patota ao ponto de nos fornecer a palha e o recheio de deliciosos cigarrinhos que ele mesmo enrolava com a excelência de sua perícia.
Chico Peixoto podia passar a qualquer momento pela avenida Humberto Mauro voando no seu carro em meteórica visita e até Marques Rebelo também identificável nas inúmeras doações ao incrível Museu de Arte Popular que ainda se encontra lá.
O próprio Fusco retornaria à terra e coincidentemente arranchando-se provisoriamente numa casinha que havia lá pros lados da “matinha”, não sei se o incomodava o sino que ainda havia e que era executado religiosamente pelo João Cordovil.
Guillermino César não; era o grande ausente.
Meu tio José Suppi recordava que foram eles velhos conhecidos desde a mais tenra infância e traquinagens. Tendo-o encontrado certa vez na rua este o interpelou animado e com a seguinte história:
- Zé, sonhei com você esta noite. No sonho eu havia comprado uma carrocinha de sorvete. Adivinha quem era o vendedor?
- Você
Ao que ele respondeu de pronto:
- Ah, então eu era seu empregado, né...?
Brincadeiras e lembranças à parte, a verdade é que ressentíamos um pouco da presença dele e o poeta da metade maior do Meia Pataca, ao contrário do rio, não passava muito por aqui, mas no nosso caso poder-se-ia dizer que brilhava pela ausência. Ausência que procurávamos suprir vasculhando na biblioteca da escola além dos seus próprios livros, dados biográficos. Uma das referências mais comuns era o nome da farmácia onde Seu Machado, um familiar seu fazia ponto, onde hoje se encontra um bar.
Nós também tínhamos lá nossas aprontações. O nosso grupo, versão mineira da boêmia litero-musical-jornalística-malandra-etílico-estudantil – o termo surrupiado de um conto de João Antonio – sem sede própria, geralmente improvisada no reservado do Bar Elite, onde uma garrafa pequena do “Canção” era capaz de realizar o milagre do vinho.
É assim que me lembro de Guilhermino César:
Salve seu centenário!
*Emerson Teixeira Cardoso (Cataguases – MG)
Publicado no Chicos - edição do Centenário de Guilhermino Cesar
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