A laranja mecânica e o tico-tico-no-fubá

          Corria o ano de 1974, eu migrara para o Rio de Janeiro no início de 73. Como vários amigos, eu buscava trabalho e estudos.   Caipira inocente entusiasmei-me com a cidade-estado. O Rio era a capital da Guanabara.   Sem grana, batendo canelas por todos os lados, acabei encontrando os eventos gratuitos do MAM, Sala Cecília Meireles e Salão Leopoldo Miguez; nestes espaços as artes borbulharam minha cabeça de interiorano. Como poderia ter dito Graciliano Ramos, me desentopeiraram. Quando a grana permitia, aventurava-me pela geral do Maracanã para uma partida de futebol. Entre uma refrescada e outra pelas praias descobria os prédios do centro. Nestes prédios a corte imperial criou muitos mau-costumes.   A república os enraizou e são mantidos até hoje nas franjas do poder. Basta olhar a quantas anda a corrupção e a falta de caráter dos políticos em Brasília. No ano da minha chegada, as obras do metrô iam naquela marcha lenta típica de obra pública. O seu traçado fora alterado para não afetar as fundações do Palácio Monroe.  Apesar disto, numa campanha capitaneada pelo O Globo, pedia-se a demolição do antigo Senado. Alegavam que além da estética ele atrapalhava o trânsito. O prédio da Praça Mahatma Gandhi foi ao chão sem a menor piedade. Era o mandarinato dos Marinhos, acólitos e sócios dos ditadores, se fazendo presente.  Em quinze de março acabara o mandato do general Médici, responsável pelo período mais duro da ditadura.
  Já que a repressão era dura e a censura corria solta, o único assunto que todos compartilhavam sem o menor receio era futebol. E olha que até nisso os ditadores metiam o bedelho. Médici, em 1970, mandara a CBD escalar Zagalo no lugar de João Saldanha e convocar o Dario do meu Galo para o ataque.   Só se falava dos preparativos da seleção e o campeonato carioca. No torneio, o grande time do ano era o América e o Luisinho seu artilheiro. E lá estavam, além do América, Bonsucesso, Madureira, Campo Grande, São Cristóvão, Portuguesa, Olaria, Bangu e os quatro ditos grandes. O único campeonato estadual que só tinha times da mesma cidade.  A seleção era comandada pelo pão-duro e supersticioso Zagalo, cercado de amuletos e manias, incluindo uma fixação pelo número 13, até nós achávamos aquela seleção imbatível. O Brasil deitara na fama de ter conquistado definitivamente a Taça Jules Rimet, posteriormente roubada e derretida. A grande sensação do futebol mundial era o Carrossel holandês comandado pelo Cruyff, morto recentemente, mereceu até a afirmativa do jornal L’Equipe, “Johan Cruyff era como os Beatles ou os Rolling Stones”.  Além do futebol, Amsterdã, a capital, despertava em nós uma grande admiração, pelo modo de vida que oferecia aos seus; as ideias, as práticas contemporâneas e a liberdade. Era o magisch centrum (centro mágico) da Europa.  Uma espécie de paraíso na trilha dos hippies europeus. Centenas deles se apropriavam de praças e parques para consumir maconha sem repressão alguma.
E nós, quanto a liberdade, nem votar podíamos. Perguntaram ao Zagalo o que ele achava da Holanda. Ele no maior salto alto: – A Holanda?  Um bom time, nada especial. Seu ataque não finaliza bem. Joga um futebol meio na base do tico-tico no fubá.   Já na Alemanha antes de enfrentá-la na semifinal da Copa, voltou a arrotar sua arrogância: – O time deles é bom, mas os holandeses não têm tradição em Copas e isso pesa. A Holanda não me preocupa. Estou pensando na final com a Alemanha, e voltou a repetir, A Holanda é muito tico-tico-no-fubá, que nem o América dos anos 50. Derrotado por 2x0, admitiu: – Perdemos para uma grande equipe. ” A vitória da Laranja Mecânica sobre o tricampeão do mundo foi o feito que faltava para o futebol total.   O Zagalo, pontinha ciscador, este sim um verdadeiro tico-tico no fubá, deu uma de inhambu piando em festa de jacu. Tomou um baile da Laranja Mecânica.  

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