De como deixei de ler jornais

             Por estes dias, em que o país mergulhou na enésima crise política de sua história, conversava com um primo curitibano. Temos visões e concepções diferentes, mas nos respeitamos e por ele tenho um enorme carinho. Sou um democrata forjado na adversidade da ditadura, por isto prezo, e muito, a diversidade e a liberdade. Como ele, meu filho Gabriel formou-se em comunicação social. Um velho amigo formado nos anos setenta, sempre me dizia: “Zé, se você fizer um curso de jornalismo, nunca mais você lê jornal”. Falta honestidade e equilíbrio nos pauteiros e pautados das redações, na narrativa de pauta única que a imprensa brasileira vem construindo. O episódio da demissão da jornalista Barbara Gancia pelo Johnny Saad mostra a quantas anda a liberdade de expressão, nas redações. Liberdade mesmo, é só nas ruas. Estamos todos carentes da boa e velha poesia. Ela está ausente dos atos e da vida do mundo todo. Isto nos desumaniza, imbeciliza e surgem os diabólicos donos das verdades.
Aprendi, com o linguista Gilberto Scarton: “Que a leitura nos permite uma reação ao texto, levando-nos a concordar ou discordar, decidir sobre a veracidade ou a distorção dos fatos, desmantelando estratégias verbais e fazendo a crítica dos discursos - atitudes essenciais ao estado de vigilância e lucidez de qualquer cidadão; que a escrita é um instrumento de luta pessoal e social, que, quando as pessoas não sabem ler e escrever adequadamente, surgem homens decididos a fazê-lo por elas e para elas. Por isso a linguagem constitui a ponte ou o arame farpado mais poderoso para dar passagem ou bloquear o acesso ao poder”.
Aubervilliers - mai 2014 - Jeff Aerosol
O velho amigo, meu filho e o grande Gilberto Scarton me fizeram trocar em definitivo a realidade falseada da mídia pela ficção realista da literatura. Na literatura, foi Graciliano Ramos e suas dolorosamente cruéis e sinceras Memórias do Cárcere, que despertou em mim o interesse pelo memorialismo. Quem solidificou este interesse foi o juiz-de-forano Pedro Nava. Ele produziu a obra memorialística mais importante da literatura brasileira. É um mergulho no inconsciente coletivo brasileiro. Seu livro Baú de ossos, segundo Otto Lara Resende, sozinho “funda toda uma cultura” deu-me o que toneladas de jornais nunca darão. Faz muito tempo o amigo Emerson Teixeira Cardoso, sugeriu-me ler Pedro Nava, o que recomendo a todos. Ele tem gosto pela temática e seus autores; é capaz de, com entusiasmo, falar-nos de coisas como o ambiente pecaminoso e sem escrúpulos dos internatos masculino de Balão Cativo e Chão de ferro do Pedro Nava e do O Ateneu de Raul Pompéia.  Segundo Emerson a fieira de autores é grande, vem desde Visconde de Taunay que escreveu sobre os absurdos e atrocidades da Guerra do Paraguai. Até mesmo Machado de Assis com Memórias póstumas de Brás Cubas e Memorial de Airesnos permitem andar pela história tanto quanto obras como Itinerário de Pasárgada de Manuel Bandeira; Um homem sem profissão: Sob as ordens de mamãe de Oswald de Andrade; A idade do serrote de Murilo Mendes; Viagem no tempo e no espaço, de Cassiano Ricardo.            
A literatura ensinou-me muito mais do que vários professores que passaram pela minha vida e olhe que muitos eram ótimos. Mostraram-me as diversas realidades do país.  A realidade de Itaobim, onde nasceu meu pai, a de Cataguases, onde nasci, e a de Curitiba, onde nasceu meu primo (só para ficar entre nós), são distintas e até divergentes, são horizontes de vidas muito diferentes. As visões de Brasil serão, no mais das vezes, conflitantes. Nossos espasmos democráticos não resistem às mesquinharias de nosso anacronismo político, eles teimam em não evoluir, turbinados por uma histórica e resiliente burrice. Mesmo porque os detentores do poder não querem mudar nada.  Não dá para ficar preso neste discurso do sim-não, certo-errado, black-white. Isto é reducionismo. A nossa diversidade é enorme. Somos enquanto raça: brancos, pretos, amarelos e mestiços. Até os gêneros não cabem mais no binário masculino-feminino.  Infelizmente a mídia monocórdica retrata uma realidade filtrada, é só o que o dono da pauta quer que o leitor veja. E o leitor só compra o que repete seu olhar. Não gostam de ser confrontados com o novo, o diferente. Preferem, como bem dizia Raul Seixas: "ter aquela velha opinião formada sobre tudo". 
Eu não quero viver dentro deste círculo.

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