Anotações sobre: “Eles não moram mais aqui”





                  Eles não moram mais aqui...  O título, que parece definitivo, já na primeira linha do primeiro conto traz de volta os personagens à cena.  ..., mas aparecem todos os finais de semana, ...   Imediatamente na narrativa brota Brasília: a imensa ilha cujo mar é o céu infinito, pássaro nascido da prancheta, com suas enormes asas abertas sobre o cerrado.  Noto, que ao longo da obra de Ronaldo Cagiano, Brasília está sempre presente. Ela é bela, mas aparece como um lugar árido e sem alma. E ele parece ancorar suas aflições de alma nos horizontes ondulados de suas montanhas mineiras, uma espécie de volta ao útero. Este também não lhe é mais um porto seguro. Na perspectiva sem umidade da capital federal, Cataguases e seus rios e sua infância é seu ponto de fuga.
No meu imaginário, não conheço a cidade,  a capital federal do autor é uma jovem arrogante. O cimento ainda é o original, a argamassa ainda é a primeira, as paredes ainda cheiram o suor dos candangos.   É aquele lugar, que ainda não sofreu os reveses que consolidam a identidade humana das cidades. Estas se reconstroem sobre os escombros, tanto do progresso quanto das catástrofes que a natureza impõe à sua geografia. Para ficar num lugar comum entre nós cataguasenses; - Brasília nunca sofreu uma enchente.  Ronaldo Cagiano é hábil em trazer à tona as contradições que habitam o fundo da alma do ser humano. Ele vai da vida solitária nos apartamentos-clausuras dos repetitivos blocos de Brasília, onde relacionamentos fragmentados sufocam os personagens numa lenta agonia; à submissão resignada dos tecelões da pequena Cataguases, onde vidas sem perspectivas estão presas aos grilhões de abusos de toda ordem.  Nenhum personagem consegue escapar deste emaranhado de vidas em seus opressivos lugares.  Não há concessão, nossas incompletudes estão expostas, não haverá salvação alguma.          
Como um irrequieto migrante o autor peregrina pelo mundo, mas sua geografia são as montanhas e rios da infância, o cerrado e hoje, o concreto do planalto paulista. O último conto traz um ritmo e uma forma que as andanças pelas metrópoles imprimem à escrita do autor. Travessias, conto a que me refiro, traz em seu bojo a frase: No abril em que me espelho, o amor parece sair de moda.... Estou cá, rabiscando estas anotações num abril em que o país parece despedaçar-se em radicalismos golpistas em que a agressividade é a face visível da estupidez e ignorância, tudo dentro de uma narrativa inescrupulosa dos detentores do poder de fato. Cagiano termina o conto com uma interrogação: Como inventariar o caos nesse difuso concerto para arranha-céus?      Concerto para arranha-céus, alias titula um de seus livros. Lá está um, que é a cara de Brasília nestes dias de abril - WWW.GENTEORDINARIA.COM.BR.  

Nota: Não sou crítico. Sou apenas um leitor.  Estas anotações são coisas de leitor besta.   

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