A pracinha da Fábrica Velha

Dia destes, saindo de um super-mercado, cruzei aquela praça em frente à fábrica velha, resolvi parar e sentar-me em um de seus bancos.  Ou seria assentar? Como ouço muito por aqui.   
Pintores pintavam de marrom a parte do prédio onde até recentemente funcionou o Bar da Loura. Raramente estive, como agora, sentado em um destes bancos, mas sempre passei por sua calçada, vindo ou indo para a Vila ou Bairro Haidée, locais onde morei muitos dos anos de minha vida. Ela é uma praça única, forma um pequeno retângulo fechado pelos três lados, já que um dos lados menores é a rua que liga a estação ferroviária a vila. Na maioria das vezes em que parei nestas imediações, foi com meu pai no Bar Pinguim, que antes de desaparecer foi cenário de gravações baseadas na obra do Ruffato, o bar ficava no térreo do Hotel Pires.     
Parávamos ali para um guaraná após cortar o cabelo na Barbearia do Seu Euclides, que ficava no mesmo prédio, junto à entrada do hotel. Era dali que observava o movimento na pracinha, principalmente quando as tecelãs saíam da fábrica. Isto quando não me distraía com o Horizonte, pescador do rio Pomba com algum dourado brilhando em sua fieira de peixes.
Lembrei-me que lá na minha infância funcionou um cinema naquele prédio, acho que pertencia ao pessoal do Hotel Pires, nunca vi filme ali, mas uma placa era sempre colocada na mesma calçada por onde eu, não só eu, mas também meus amigos e a maioria da população passavam um monte de vezes por dia no nosso ir e vir. O cinema acabou e várias atividades foram sucedendo, de uma fábrica de colchões a outros tantos negócios até que fracionaram o prédio.
Muitos anos depois, morando noutra cidade, lá aportei no Bar do Quim. Em uma noite de sábado quente, ainda vivíamos a ditadura militar, eu, meus amigos Zé Tarcísio Lima, estudando em Viçosa e o Fernando Cesário, que acabara de retornar à cidade, varamos uma madrugada num bom papo nestes mesmos bancos; enquanto o Quim, naquela bonifaciana paciência dele, vez ou outra nos trazia uma cerveja. Quim herdara do pai, o Seu Bonifácio, o jeito calmo e sereno de lidar com todos. 
Noutro tempo, tomando umas cervejas comigo e o Toquinho, o Emerson da Chicos, lá no Depósito de Pão Nossa Senhora do Rosário, nos contou algumas peripécias do seu tempo por aqui. Uma delas aconteceu em um domingo pela manhã, quando, para atender uns sobrinhos que faziam um churrasco, foi ao bar por volta de onze horas buscar umas cervejas, ao abrir as portas deu de cara com o Antônio Jaime.  Nosso poeta, tranquilamente sentado em uma das mesas, tomava uma gelada cerveja.  Quim fechara o bar com o Antônio Jaime no banheiro.
O Toquinho relembrou de um caso ocorrido com o Fabinho Leite. Este, uma ave noturna chegava ao bar sempre de madrugada com sua risada alta e na mesma altura soltava: Quim me dá uma coca! Até o dia em que Quim o chamou a um canto e disse: Fabim! Por favor, ao entrar aqui peça coca cola.  Neste horário, sempre entra algum viciado. E a polícia tá de olho no bar. Eu não quero problemas. Ao que o Fabinho prontamente retrucou: O Quim deixa de viadagem! Que diferença faz. Coca e cola não é tudo o que os caras querem cheirar?
Em certa ocasião surgiu ali uma igreja, que usava uma placa igual a do cinema, vendendo o seu negócio. Nela, lia-se entre outras pérolas, duas curiosíssimas “Não percam todas as sextas feiras show de milagres.” e mais em baixo: “Diariamente sessão de descarrego de encostos”.   A igreja que convivia de “parede e meia” com o Bar da Loura migrou e em seu lugar surgiu uma sinuca, os cânticos foram substituídos pela conversa dos jogadores e o ruído do entrechoque das bolas de bilhar. O bar fechou. Parece-me que convivia melhor com a igreja.
O vento que sopra anunciando uma chuva de verão trás o forte cheiro da tinta. Acabam por me trazerem de volta aos meus dias atuais e seus afazeres. Vou mais volto. Gostei de sentar ali.  Entristece-me, ver a cidade lentamente desmanchando e apagando seu passado e perceber que tudo vai virando escombros na memória de seus moradores.

2 comentários:

Joaquim Branco disse...

Apesar de não ter vivido essa vida noturna - sou matutino - apreciei a leveza e propriedade do seu texto. Parabéns.

José Antonio Pereira disse...

Obrigado pelas palavras Joaquim.

José Antonio