Ronaldo Cagiano
Trinta anos após o golpe militar que levou a Argentina a uma das mais negras noites de sua história, e que sufocou a cena literária, surge uma nova geração de poetas, que, após a redemocratização do País, vem se impondo com trabalhos do mais alto nível estético.
País que deu ao mundo um safra de grandes escritores, entre os quais Jorge Luís Borges, Julio Cortázar, Ernesto Sábato, Horácio Quiroga, Biou Casares, Juan José Saer, Juan Guelman, Raúl Rivero, Luis Gusmán, Antonio di Benedetto, Silvina Ocampo, Edgardo Cozarinski, Roberto Arlt, Rodolfo Alonso e outros, vê surgir, principalmente em províncias mais distantes da Capital, nomes que vão compondo o painel de uma nova e promissora literatura.
Se determinados autores ainda não caíram devidamente no conhecimento dos leitores, apesar da qualidade de seu trabalho, isto se deve tão somente ao fato de residirem longe dos grandes centros, distantes do hegemônico e monopolista eixo econômico-cultural Buenos Aires-Córdoba-Mendoza-Rosário. Suas obras, inegavelmente, competem em igualdade de condições, com a mesma qualidade de autores que vivem em Buenos Aires, e que, por razões lógicas de mercado e mídia, publicam pelas grandes editoras e são resenhados nos principais jornais, portanto mais visíveis da crítica.
Em recente viagem à província de Catamarca, distante 1.250 Km a noroeste da capital, pude conhecer alguns poetas e ficcionistas, entre os quais Arturo Herrera, Claudio Sesín, Cesar Augusto Vera Ance e Alejandro Acosta, cujas obras não só impressionaram-me, como também confirmaram a dimensão de uma pujante literatura que surge por lá, com trabalhos de variado matiz. Desde inflexões líricas à reflexão existencial, à crítica política e social, o ofício desses autores está sintonizado com as emergências estéticas da arte, as questões éticas e as demandas culturais de seu país. A poesia dos jovens autores Arturo Herrera e Claudio Sesín caudatárias dessas preocupações, exemplificam o universo da produção literária atual, oferecendo uma arte poética do mais alto padrão.
Em seu livro “Dones de la vigília”, premiado pela Secretaria de Cultura de San Fernando del Valle de Catamarca, Herrera traz-nos, além de uma inflexão lírica, uma dimensão filosófica e dialética, fruto de sua aguda percepção crítica. Professor de literatura e latim na universidade local, há em sua confecção literária um diálogo profundo entre a poesia, a história e a filosofia, fruto de suas influências e de uma sólida formação humanista e lingüística. No poema “Casa sola”, reflete sobre o lirismo e da solidão da vida doméstica: “Siesta./ Todas las voces están ausentes./ La casa es un hueco grande./ En el pátio,/ el tiempo pasa como um canto tímido de pájaros./ Uniforme es el polvo de los muebles./ Em la penumbra, el olmo de los libros./ Voces difusas, imágenes lejanas;/ la soledad es tan amplia.../ crece y me oprime.,/ cresce y me desplaza./ El pensamiento me suspende com alas de ensueño.”
No artesanato poético de Claudio Sesín, depara-se com uma escritura que transita entre o estranhamento e o onírico, tendo a barbárie (social, política, econômica e humana) uma espécie de metaforização da própria condição humana. Sesín denúncia, eu seu livro “La Barbárie”, os eternos conflitos quotidianos da civilização moderna, que experimenta suas dicotomias. Em versos candentes, verdadeira catarse dos dilemas vigentes, explícito no canto XVII, temos um grito submerso e hemorrágico: “Pena y más pena/ sobre la inmensidad de los desiertos,/ sobre el desierto de los muertos,/ sobre los vivos/ que ha partir de entonces habitan el desierto./ Pena y más pena, y una sola lágrima./ El oro de la nada envenena los árboles/ con ecos del infierno meditado./ Las farsas adquirieron transparencias siniestras/ y la rabia nació, como el amor más puro,/ salvaje y fiera./ Quien quiera puede verla/ montar el viento norte por las tardes.”
Arturo Herrera e Claudio Sesín reverberam a força da nova poesia argentina, que brota na longínqua, mas profícua Catamarca, feito um facho de luz que clareia os ermos territórios da alma e nos aponta um caminho seguro. Eis uma arte engajada, com suas vozes a dissecar a realidade, com seu sopro humanista, seu farol e suas lições.
Nenhum comentário:
Postar um comentário