Algumas anotações sobre 'Os olhos vesgos de Maquiavel" de Fernando Cesario


Um olhar enviesado sobre Vicente


                  Faz algum tempo que estou querendo escrever algumas linhas sobre o último romance de Fernando Cesário, mesmo porque me pareceu ao término da leitura, que Olhos vesgos de Maquiavel não é livro para leituras apressadas.  Fiquei algum tempo deglutindo algumas passagens e ruminando minhas memórias. Afinal me senti, e de certa forma fui, contemporâneo do personagem narrador.
Fernando é amigo de velha data.  Estudamos nas mesmas escolas públicas de Cataguases; crianças, frequentávamos a igrejinha da vila, conduzidos por nossas mães, fervorosas católicas. Também fomos vizinhos e depois de muitos anos de andanças e mudanças, mais minhas do que dele, novamente, voltamos a nos tornar vizinhos. Regularmente nos reunimos para assistir algum filme de seu fantástico acervo. Livros e filmes, são algumas de nossas paixões e das mais antigas.  
 Vicente, o personagem, faz parte de uma geração que viveu o início do golpe militar lá em 64, ainda um menino em sua escola.  Adulto volta ao seu antigo ginásio, como professor e, a ditadura ainda teima, persiste nos seus mais de vinte anos de existência.
O autoritarismo molda ao seu feitio aqueles que vergam com facilidade a  espinha, já os que não se deixam dobrar são perseguidos até por bedéis, simplórios acólitos de um poder estabelecido pelo medo. Sua escola, lá atrás, foi  responsável por uma formação mais humanista, incompatível com a doutrina da ditadura, que se fiava o tempo todo no terror e na delação. Os ditadores e seus títeres trataram logo de reformar o ensino, parecendo que o único objetivo era afastá-lo do livre pensamento.  Uma das inadaptações do novo professor deriva desta incompatibilidade entre as duas escolas.  Seu amadurecimento em tempos de angústias ideológicas, violências físicas e morais, transformam sua vida em uma agonia existencial sem fim.  A censura, o estado policialesco torna sua pequena cidade um lugar vazio, oco, os relacionamentos artificializam-se, mentem uma lealdade inexistente. Como sempre, em meio às ditaduras, ou por medo ou por conveniência, muitos não titubeiam em covardemente, cometer traições.   É neste pantanoso ambiente, de uma escola onde do diretor ao bedel campeia a delação que vai tentar trabalhar Vicente.
Em meio a isto surge uma aluna adolescente que transforma sua vida em uma montanha russa de sensações e ações.  Professores vivem no fio da navalha; adultos, vivem cercados de adolescentes “transbordando” hormônios, descobrindo seus corpos e latejando sexualidade. Imagino não ser nada fácil, controlar o despertar das “paixões” e suas próprias excitações. Já Vicente, quem sabe por ter tido Nabokov como uma das suas leituras adolescente, deixou-se levar por esta Lolita, que se revela uma machadiana Capitu, numa fantasia que subvertesse aquele tempo de obscuridade e frustrações com a beleza irradiada de uma mulher-menina.    
Fernando constrói o romance como cineasta na moviola, faz cortes que tira o leitor de um rumo previsível, atiçando-o a reflexões. Curtos trechos de notícias reais vão balizando a temporalidade da narrativa. É um romance instigante.
Além da amizade, o que torna estas linhas ainda um tanto quanto tendenciosas, é ter encontrado entre os personagens, um que se inspira no meu velho Antônio Pereira, o que me deixou bastante feliz.                        

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